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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Deus existe? Cinco Razões para acreditar em Deus



1. A origem do universo.

2. O ajuste fino do universo a fim de sustentar vida inteligente.

3. A existência de padrões morais absolutos.

4. A vida, morte e ressurreição de Jesus.

5. A possibilidade de conhecer a Deus neste exato momento.


Por William Lane Craig

Tradução e adaptação: Vanderlei Ortigoza.
"C. S. Lewis comentou certa vez que a existência de Deus é muito mais que uma questão meramente interessante. Afinal, se Deus não existe, não há nenhuma razão para nos interessarmos por ele. Mas se existe, nosso maior objetivo de vida é nos relacionarmos com este ser do qual depende nossa existência.
Muitos consideram o assunto irrelevante. Quem pensa assim demonstra que não refletiu seriamente sobre o problema. Até mesmo filósofos ateístas como Sartre e Camus admitiram que a existência de Deus é importante para a humanidade. Proponho três razões para meditarmos sobre a importância de Deus.
Sem Deus, a vida não tem sentido
Imagine que não há vida após a morte. Nesse caso, pouco importa a maneira como vivemos, pois se não precisamos prestar contas de nossos atos a Deus, significa que ninguém será punido ou recompensado por suas ações. Do ponto de vista moral, nossa existência se torna irrelevante. É óbvio que a vida ainda possuiria significado relativo, no sentido de que influenciamos outras pessoas ou alteramos o curso da história. Algum dia, entretanto, o universo se esfriará por completo e tudo perecerá. Quando isso acontecer, não fará nenhuma diferença as contribuições dos cientistas para o avanço do conhecimento, as pesquisas médicas para aliviar a dor e o sofrimento, o empenho dos diplomatas para garantir a paz no mundo, o sacrifício para melhorar a qualidade de vida da humanidade etc.; tudo terá sido em vão.
Sem Deus, não há esperança
Ou melhor, sem Deus não há esperança de nos livrarmos do mal. Embora muitos questionem como um Deus bom pôde criar um mundo com tanta maldade, na verdade a maior parte do sofrimento é causada pelo próprio ser humano. Os horrores das últimas duas guerras mundiais destruíram a ingenuidade otimista do século XX quanto ao progresso moral da humanidade. Se Deus não existe, estamos presos a um mundo sem esperança, repleto de sofrimento gratuito e sem a menor condição de erradicarmos o mal.
Além disso, se não há Deus, não há como escaparmos do envelhecimento e da morte. Talvez os mais jovens tenham dificuldade para compreender isso, mas a menos que o indivíduo morra jovem, em breve travará uma guerra perdida tentando impedir o avanço inevitável do envelhecimento e das doenças (possivelmente incluindo a senilidade) e, ao final (se não há vida após a morte) deixará de existir. O ateísmo, portanto, é uma filosofia sem esperança.
Em contrapartida, se Deus existe a vida adquire significado e esperança, além da possibilidade de conhecê-lo e amá-lo pessoalmente. Pense em um Deus bom e infinito que deseja amá-lo e ser seu amigo. Que mais o ser humano poderia desejar? Se Deus existe, sem dúvida faz toda diferença acreditar nele, não apenas para a humanidade, mas para você e eu.
Apesar de nenhum desses argumentos provar de modo categórico a existência de Deus, demonstram que faz toda diferença se Deus existe. Ainda que as evidências a favor e contra fossem absolutamente iguais, creio que a atitude mais racional seria acreditar em Deus. Em outras palavras, se houvesse 50% de chance de Deus existir ou não, porque alguém escolheria a morte, a futilidade e o desespero em detrimento da esperança, do propósito e da alegria?
Entretanto, não acredito que as evidências sejam absolutamente iguais e quero expor cinco razões plausíveis para você acreditar em Deus. Muitos livros foram escritos sobre cada uma delas, de modo que minha intenção aqui é apenas apresentar um breve resumo. Todo ser humano possui em sua psique a vontade de procurar sentido nas coisas e compreender a realidade como ela é de fato. Observe que a existência de Deus faz sentido para explicar diversos fatos de nossa existência.

1. A existência de Deus explica a origem do universo
Alguma vez você se perguntou de onde surgiu o universo? Por que existe algo ao invés de nada? Alguns acreditam que o universo é eterno e ponto final. Mas essa não é uma resposta racional. Basta refletir: se o universo nunca teve um começo, significa que houve infinitos acontecimentos no passado. A matemática, entretanto, demonstra a incoerência de afirmar a existência real de um número infinito de coisas. Por exemplo, quanto é infinito menos infinito? De acordo com a matemática, o resultado é contraditório. Isso mostra que o infinito é apenas uma concepção mental e não algo que existe na realidade. David Hilbert, possivelmente um dos maiores matemáticos do século XX, afirma: "O infinito não existe no mundo real; não existe na natureza e não fornece base legítima para o pensamento racional. O infinito existe apenas no mundo das ideias." 1
Considerando que os acontecimentos passados não são imaginários, mas fatos reais, o número de acontecimentos passados não pode ser infinito, de modo que há apenas uma conclusão lógica: o universo teve um começo. Surpreendentemente, essa conclusão vem sendo confirmada pela ciência moderna por meio de várias descobertas astronômicas e astrofísicas. Hoje temos evidências concretas de que o universo não é eterno, mas teve um início cerca de 13 bilhões de anos atrás por meio de um evento cósmico conhecido como Big Bang. Esse evento deu origem ao universo literalmente a partir do nada, isto é, toda a matéria e energia, inclusive o próprio espaço e o tempo, passaram a existir a partir dessa "explosão". Conforme explica o físico P. C. W. Davies, "o surgimento do universo, de acordo com a ciência moderna [...] não se trata apenas de impor ordem [...] sobre um estado de caos anterior; antes, estamos falando do surgimento de todas as coisas físicas literalmente a partir do nada". 2
Várias teorias alternativas têm sido propostas ao longo dos anos para tentar contornar essa conclusão, porém a teoria do Big Bang continua sendo a única alternativa plausível na comunidade científica. De fato, em 2003 os cientistas Arvind Borde, Alan Guth e Alexander Vilenkin provaram que nenhum universo em estado de expansão cósmica pode existir eternamente, mas deve necessariamente ter um início absoluto. Vilenkin afirma:
Diz-se que o argumento convence homens racionais, e a prova convence até mesmo os irracionais. Agora que temos a prova, os cosmologistas não podem continuar a se esconder atrás da possibilidade de um universo eterno no passado. Não há escapatória, precisam enfrentar o problema do nascimento cósmico. 3
Anthony Kenny, professor da Universidade de Oxford, exprimiu a questão de modo contundente: "A menos que sejam ateístas, os proponentes da teoria do Big Bang são forçados a acreditar que o universo surgiu do nada"4 Essa ideia, entretanto, não faz sentido, pois não é possível algo surgir do nada. Então por que o universo existe, ao invés de nada? De onde surgiu? Deve ter havido uma causa que o produziu. Esse argumento pode ser resumido da seguinte maneira:
1. Tudo o que tem um começo tem uma causa.
2. O universo teve um começo.
3. Portanto, o universo tem uma causa.
Se as premissas 1 e 2 são verdadeiras, a conclusão é inevitável.
Considerando as circunstâncias envolvidas, esta causa que deu origem ao universo é uma entidade não-criada, imutável, eterna e imaterial. Não é criada porque, conforme observamos anteriormente, não é possível haver um regresso infinito de causas; é eterna (e, portanto, imutável, pelo menos em sua existência fora do universo) porque criou o tempo; e porque também criou o espaço, deve transcender a este; portanto, é um ser imaterial, isto é, não-físico.
Além disso, pode-se dizer que é um ser pessoal, pois de que outra maneira uma causa eterna produziria um efeito temporal como o universo? Se a causa fosse um conjunto inevitável e suficiente de estados e operações mecânicas, não poderia existir de modo independente do efeito. Por exemplo, a causa do congelamento da água está na diminuição da temperatura para menos de 0º centígrados. Se a temperatura tivesse permanecido abaixo de 0º centígrados desde o passado eterno, toda água que existe hoje estaria congelada desde a eternidade; nesse caso, seria impossível que a água tivesse começado a congelar apenas em um período finito de tempo atrás. Portanto, se a causa existe continuamente, o efeito também deve existir continuamente. A única forma de uma causa ser eterna e seu efeito ter início em determinado momento é supor que se trata de um agente pessoal que escolheu livremente produzir um efeito no tempo, sem nenhuma relação com circunstâncias predeterminadas. Por exemplo, um homem sentado eternamente pode decidir levantar-se. A partir disso inferimos não apenas uma causa transcendente para o universo, mas o próprio Criador.
É um fato extraordinário que a teoria do Big Bang confirme exatamente aquilo que os cristãos sempre acreditaram: no princípio, criou Deus o universo. Qual conclusão parece mais sensata: Deus criou o universo ou este surgiu do nada, sem causa?
2. A existência de Deus explica o ajuste fino do universo para sustentar vida inteligente
Durante os últimos 40 anos os cientistas descobriram que a existência de vida inteligente depende de um equilíbrio complexo e delicado de condições iniciais que surgiram com o Big Bang. Inicialmente os cientistas acreditavam que, independente de quais fossem as condições iniciais, mais cedo ou mais tarde a vida inteligente teria evoluído por si mesma. Hoje, porém, sabemos que a existência de vida inteligente depende de um conjunto inicial de condições ajustadas a uma proporção incompreensível e incalculável.
Este ajuste fino do universo aparece sob duas formas. Primeiro, ao expressarmos as leis da natureza na forma de equações matemáticas, observamos certas constantes, como a constante gravitacional. As constantes não são determinadas pelas leis da natureza, pois estas são compatíveis com uma ampla extensão de valores para aquelas. Segundo, além dessas constantes, existem certas quantidades arbitrárias estabelecidas a partir das condições iniciais que deram origem às leis da natureza (por exemplo, a entropia e o equilíbrio entre matéria e antimatéria no universo). Todas estas constantes e quantidades se encaixam num âmbito estreitíssimo de valores capazes de sustentar vida. Caso fossem alteradas apenas um milésimo, o equilíbrio seria destruído e a vida não existiria.
O físico Paul Davies calculou que uma pequena mudança de uma parte em 10100 na força gravitacional ou na força nuclear fraca seria o suficiente para impedir o surgimento da vida no universo. A constante cosmológica que impulsiona a inflação do universo (também responsável pela recém descoberta aceleração de expansão do universo) é fixada de modo inexplicável em torno de uma parte para 10120. Roger Penrose, da Universidade de Oxford, calculou que a possibilidade de a baixa entropia do Big Bang existir por acaso é da ordem de um para 1010(123). Penrose comenta: "Não consigo pensar em nenhuma outra coisa na física cuja precisão se aproxime, ainda que remotamente, de uma cifra como 1 parte para 1010(123)".5 E não se trata simplesmente de cada uma dessas constantes ou quantidades apresentar ajustes exatos; é preciso que suas proporções entre si também sejam ajustadas. Como se vê, são improbabilidades multiplicadas por improbabilidades, gerando números incompreensíveis que desorientam a mente.
três possibilidades para explicar a presença desse extraordinário ajuste fino no universo: necessidade física, acaso ou planejamento. A primeira alternativa aposta na descoberta da "teoria sobre tudo" que poderia explicar o universo como um todo. Em linhas gerais, essa teoria propõe que tudo que existe deve acontecer exatamente da forma como observamos, de modo que não há possibilidade de o universo não ser ajustado para permitir vida. A segunda opção, ao contrário, declara que o ajuste do universo ocorreu por acaso: ou seja, é mera coincidência o fato de a vida ter surgido nesse universo (como diriam alguns: "Tivemos muita sorte!"). A terceira alternativa rejeita as anteriores e propõe a existência de uma mente inteligente por trás do planejamento cósmico, isto é, alguém planejou o universo com o objetivo específico de permitir o desenvolvimento de vida inteligente.
Em busca do razoável
A primeira alternativa (declarando que não há qualquer razão física para os valores verificados nas constantes) parece demasiado implausível. Conforme declara Paul Davies:
"Mesmo que as leis da física fossem singulares, disso não procede que o universo físico seja singular em si mesmo [...] às leis da física devemos acrescentar as condições cósmicas iniciais [...] Não há nada nos atuais conceitos de 'leis das condições iniciais' sugerindo, mesmo remotamente, que sua consistência com as leis da física implique singularidade. Pelo contrário [...] parece, portanto, que não há necessidade de o universo ser do jeito que é; poderia ter sido diferente"6
Por exemplo, o candidato mais promissor à TT (teoria sobre tudo, teoria das supercordas ou teoria-M) não prevê a singularidade de nosso universo. Na verdade, a teoria das supercordas permite algo em torno de 10500 universos diferentes que poderiam ser governados pelas atuais leis da natureza, nada contribuindo para explicar os valores e quantidades indispensáveis ao nosso universo.
Quanto à segunda alternativa propondo que o ajuste fino do universo surgiu por acaso, a probabilidade do surgimento espontâneo de um universo capaz de sustentar vida é tão minúscula que não pode ser considerada do ponto de vista racional. Mesmo que exista um "cenário cósmico" e esse contenha enormes quantidades de universos favoráveis à vida, ainda assim o número desses universos seria incomensuravelmente minúsculo em comparação ao total, a ponto de sua existência ser absurdamente improvável. Mesmo assim, alguns costumam dizer: "Mas poderia ter acontecido!". Quem pensa assim nunca parou para refletir sobre a extraordinária exatidão do ajuste fino necessário à vida. Essa pessoa nunca aplicaria a hipótese do acaso a nenhuma outra área de sua vida (por exemplo, ninguém recorreria ao acaso para explicar, ao acordar pela manhã, o aparecimento de um carro na garagem que estava vazia na noite anterior).
Alguns tentam escapar do problema dizendo que não deveríamos ficar surpresos com o ajuste fino do universo, pois se não tivesse acontecido, não estaríamos aqui para nos surpreender. Ora, é evidente que estamos aqui; portanto, era de se esperar que o universo fosse ajustado para nos receber. Esse raciocínio, todavia, é uma falácia que pode ser facilmente demonstrada por meio de uma analogia. Imagine que você está em viagem no exterior e de repente é preso por um policial que lhe acusa de porte de drogas. Sem qualquer explicação, o oficial o conduz para ser executado diante de 10 atiradores treinados, todos apontando armas para o seu coração. Alguém grita a ordem: "Preparar! Apontar! Fogo!"; você ouve o barulho ensurdecedor dos disparos e momentos depois percebe que continua vivo e sem nenhum arranhão, pois todos os atiradores erraram! Qual seria sua conclusão? Será que pensaria: "Não devo ficar surpreso. Afinal, se não tivessem errado eu não estaria aqui para ficar surpreso. Como ainda estou vivo, era de esperar que todos errassem". Sem dúvida não é isso o que pensaria. Pelo contrário, sua primeira reação seria suspeitar que os atiradores erraram de propósito e tudo não passou de uma armação. Você não ficaria surpreso se pudesse observar que está morto, mas certamente ficaria bastante surpreso se percebesse que está vivo! Da mesma forma, considerando a gigantesca improbabilidade do ajuste fino observado no universo, a atitude mais racional é concluir que não aconteceu por acaso, mas por planejamento.
A fim de resgatar o acaso, entretanto, os proponentes dessa teoria foram forçados a aderir à hipótese da existência de um número infinito de universos aleatórios agrupados dentro de uma espécie de multiverso onde nosso universo estaria inserido. De acordo com essa teoria, em algum lugar nesse multiverso infinito seria possível surgir, por acaso, universos cujas leis da natureza permitissem o desenvolvimento da vida, exatamente como aconteceu conosco. Essa hipótese, contudo, apresenta no mínimo duas falhas gravíssimas.
Em primeiro lugar, não temos nenhuma evidência de um multiverso. Aliás, não há como provar a existência de outros universos. Ademais, convém lembrar a demonstração de Borde, Guth e Vilenkin, provando que qualquer universo em estado de expansão cósmica contínua não pode ter existido desde o passado infinito. Esse teorema também se aplica ao multiverso. Considerando que o passado é finito, apenas um número finito de universos poderia ter surgido até esse momento. Por conseguinte, não há como saber se universos capazes de sustentar vida poderiam emergir desse multiverso.
Em segundo lugar, se nosso universo fosse um membro aleatório de um conjunto infinito de universos, haveria uma probabilidade gigantesca de vivermos em um universo muito diferente do que de fato observamos. Roger Penrose calculou que a probabilidade de nosso sistema solar formar-se por meio de colisões aleatórias de partículas é muito maior que o surgimento espontâneo de um universo capaz de sustentar vida. 7 Portanto, se nosso universo fosse um membro desse multiverso, haveria uma probabilidade enorme de estarmos vivendo em um universo não muito maior que nosso sistema solar. Além disso, a essa altura seria possível observar acontecimentos extraordinários, como cavalos alados surgindo e desaparecendo por meio de colisões aleatórias ou máquinas de movimento perpétuo, uma vez que a ocorrência dessas manifestações seria muito mais provável que todas as constantes e quantidades das leis da natureza surgirem por acaso a partir de um número praticamente infinitesimal de universos capazes de sustentar vida. Universos esdrúxulos como esses seriam mais abundantes nesse multiverso que mundos como o nosso, de modo que já deveríamos tê-los observado. A ausência de tais observações demonstra a invalidade da hipótese do multiverso. É muito provável, portanto, que esse multiverso não exista (pelo menos de acordo com a concepção ateísta).
Portanto, a concepção cristã (o universo foi planejado por um ser inteligente) faz mais sentido que a concepção ateísta (o universo surgiu por acaso). Este segundo argumento pode ser resumido da seguinte forma:
1. O ajuste fino do universo se deve a uma de três alternativas: necessidade física, acaso ou planejamento.
2. Verifica-se que não surgiu por necessidade física ou acaso.
3. Portanto, ocorreu por planejamento.

3. Deus faz sentido para explicar a existência de um padrão moral absoluto
Essa concepção se refere à distinção entre o certo e o errado, independente de lugar, época, cultura e opiniões. Por exemplo, é afirmar que o antisemitismo nazista era moralmente errado, ainda que os idealizadores do holocausto acreditassem que era bom. E continuaria sendo errado, mesmo que os nazistas tivessem ganhado a segunda guerra mundial e conseguissem exterminar ou fazer lavagem cerebral em todas as pessoas que não concordassem com eles. Mas se Deus não existe, então os valores morais absolutos também não existem.
Muitos teístas (e ateístas) concordam nesse ponto. Por exemplo, J. L. Mackie, da Universidade de Oxford, um dos mais influentes ateístas de nosso tempo, admite: "Se [...] existem [...] valores morais absolutos, eles tornam mais provável a existência de Deus do que se não existissem"8 Porém, a fim de desconsiderar a existência de Deus, Mackie nega que existam valores morais absolutos: "É fácil explicar esse senso moral como sendo produto espontâneo da evolução biológica e social". 9 Michael Ruse, filósofo da ciência, concorda e explica:
"A moralidade é uma adaptação biológica, da mesma forma que mãos, pés e dentes. A ética, considerada como justificação racional de um conjunto de afirmações objetivas sobre algo, é ilusória. Aprecio quando alguém diz 'ame o próximo como a ti mesmo', imaginando com isso referir-se a algo acima e além de si mesmo. Todavia, essa referência não tem fundamento. A moralidade é apenas uma ferramenta de sobrevivência e reprodução [...] E qualquer sentido mais profundo é ilusório"10
Friedrich Nietzche, proeminente ateísta do século XIX que anunciou a morte de Deus, entendeu que essa morte significava a destruição de todo o sentido e valor da vida. Acredito que Nietzche estava certo.
Entretanto, precisamos responder uma questão fundamental, e essa questão não é: "Devemos acreditar em Deus para termos uma vida moral?", pois não estou afirmando que devemos. Nem tampouco a questão é: "Podemos reconhecer valores morais objetivos sem acreditar em Deus?", pois acredito que podemos.
Antes, a questão fundamental é: "Se Deus não existe, como afirmar a existência de valores morais absolutos?" Se Deus não existe, conforme afirmam Mackie e Ruse, então não vejo razão para considerar a objetividade da moral humana. Afinal de contas, se Deus não existe, o que torna os seres humanos tão especiais? Nesse caso, seríamos apenas resultado de um acidente da natureza, criaturas imperfeitas evoluindo em uma minúscula partícula de pó perdida em um canto qualquer de um universo hostil e negligente, fadados a perecer em um espaço relativamente curto de tempo. Na cosmovisão ateísta, o estupro, por exemplo, era considerado algo desvantajoso do ponto de vista social, de modo que se tornou tabu durante o curso da evolução. Essa concepção, todavia, nada contribui para demonstrar que o estupro é uma perversidade moral. Excetuando-se as consequências sociais, a cosmovisão ateísta não oferece nenhum apoio para afirmar que o estupro é algo absolutamente errado. Se Deus não existe, então não há referencial de padrões morais absolutos ao qual submeter nossa consciência.
A verdade, porém, é esta: valores morais absolutos existem de fato, algo que todos reconhecemos em nossa consciência. Não há nenhuma razão para negarmos a realidade desses valores absolutos, assim como não há razão para negarmos a realidade objetiva do mundo material. O raciocínio exposto por Ruse apenas prova, na melhor das hipóteses, que evoluímos em nossa percepção subjetiva dos valores morais absolutos. Ora, se os valores morais estão sendo descobertos gradualmente, e não inventados, nossa percepção gradual e falível da esfera moral em nada altera sua realidade objetiva, assim como nossa percepção gradual e falível do universo físico não altera a realidade objetiva da matéria. A maioria das pessoas concorda com a existência de valores morais absolutos e o próprio Ruse confessa: "O homem que acredita que estuprar criancinhas é algo moralmente aceitável está tão errado quanto quem afirma que 2+2=5". 11
Estupro, tortura e abuso de crianças não são apenas comportamentos socialmente inaceitáveis: são abominações morais. Em contrapartida, o amor, a lealdade e o sacrifício são virtudes morais verdadeiramente boas. Portanto, se entendemos que existem valores morais absolutos e que estes não podem existir sem Deus, a conclusão lógica e incontestável é que Deus existe. Esse argumento pode ser resumido da seguinte maneira:
1. Se Deus não existe, então os valores morais absolutos também não existem.
2. Contudo, sabemos que existem valores morais absolutos.
3. Portanto, Deus existe.
4. Deus faz sentido para explicar os fatos históricos sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus
Jesus Cristo foi um indivíduo notável. Críticos do Novo Testamento têm chegado a um consenso de que existiu uma pessoa histórica chamada Jesus de Nazaré e que este possuía um senso de autoridade divina singular: falava como se fosse o próprio Deus. Por causa disso, a liderança judaica da época incitou sua crucificação, acusando-o de blasfêmia. Jesus afirmava que o reino de Deus finalmente havia chegado ao mundo em sua pessoa. Como demonstração desse fato, realizou um ministério de milagres e exorcismos. A confirmação definitiva de suas alegações, entretanto, ocorreu em sua ressurreição. Se Jesus de fato ressurgiu dos mortos, trata-se de um milagre sem precedentes e, portanto, clara evidência da existência de Deus.
Muitas pessoas pensam que a ressurreição de Jesus é algo que devemos aceitar ou não somente pela fé. Na verdade, há três fatos históricos estabelecidos e reconhecidos pela maioria dos historiadores do Novo Testamento, fatos que considero as melhores explicações para a ressurreição de Jesus: o túmulo vazio, seus aparecimentos e a origem da crença dos discípulos em sua ressurreição. Verifiquemos rapidamente cada um desses fatos.
Fato 1. O túmulo de Jesus foi encontrado vazio no domingo de manhã por um grupo de mulheres discípulas
De acordo com Jacob Kremer, estudioso australiano que se especializou no estudo da ressurreição: "a maioria dos estudiosos considera firmemente confiável o relato bíblico sobre o túmulo vazio". 12 De acordo com D. H. Van Daalen, é muito difícil refutar o túmulo vazio em termos históricos e aqueles que negam esse fato em geral o fazem com base em conjecturas teológicas ou filosóficas.
Fato 2. Em ocasiões distintas, grupos e indivíduos diferentes viram Jesus vivo após sua morte
De acordo com Gerd Lüdemann, proeminente crítico do Novo Testamento: "Pode-se considerar historicamente confiável as experiências de Pedro e os discípulos após a morte de Jesus, onde este apareceu como o Cristo ressurreto". 13 Estes aparecimentos foram testemunhados não apenas por seus discípulos, mas também por incrédulos e até mesmo inimigos.
Fato 3. Os discípulos que andaram com Jesus passaram repentinamente a acreditar em sua ressurreição, apesar de predisposição em contrário
Após a crucificação e morte de Jesus, os discípulos perderam o ânimo. Isso porque os judeus não concebiam o Messias como alguém que, ao invés de triunfar sobre os inimigos de Israel, teria de sofrer e morrer de forma vergonhosa, como um criminoso. Ademais, a crença judaica sobre a vida após a morte não lhes permitia imaginar que alguém pudesse voltar dos mortos antes da ressurreição geral estipulada somente para o fim dos tempos.
Todavia, os discípulos passaram a acreditar tão firmemente que Deus havia ressuscitado Jesus dentre os mortos que estavam dispostos a morrer por isso. Luke Johnson, estudioso do Novo Testamento na Universidade de Emory, declara: "É necessário uma experiência poderosa, transformadora, para produzir o tipo de movimento que deu origem ao cristianismo primitivo". 14 N. T. Wright, proeminente estudioso britânico, conclui: "É por essa razão que, como historiador, não posso explicar o surgimento do cristianismo primitivo a menos que Jesus tenha ressuscitado, deixando um túmulo vazio atrás de si". 15
Todas as teorias para explicar estes três fatos (p.ex., que os discípulos roubaram o corpo ou que Jesus não morreu de verdade) foram universalmente rejeitadas pela erudição contemporânea. Não há nenhuma explicação naturalista plausível que explique esses acontecimentos. O teísta cristão, portanto, está plenamente justificado em acreditar que Jesus ressuscitou dos mortos e de fato era quem afirmava ser. A partir disso podemos inferir a existência de Deus por meio do seguinte argumento:
1. Há três fatos históricos acerca de Jesus de Nazaré: a descoberta de seu túmulo vazio, seus aparecimentos post mortem e a origem da crença dos discípulos em sua ressurreição.
2. A hipótese "Deus ressuscitou Jesus dos mortos" é a melhor explicação para estes fatos.
3. A hipótese "Deus ressuscitou Jesus dos mortos" implica que o Deus revelado por Jesus de Nazaré existe.
4. Portanto, o Deus revelado por Jesus de Nazaré existe.
5. Podemos conhecer a Deus e nos relacionar com ele, neste exato momento
Esta declaração não é exatamente um argumento para a existência de Deus. Antes, trata-se de um convite para que você mesmo verifique a existência de Deus de forma prática e independente de qualquer argumento. Para isso, basta apenas falar com ele, agora mesmo. Essa era a forma como as pessoas na Bíblia conheciam a Deus. Conforme explica o professor John Hick:
"As pessoas conheciam a Deus por meio de uma interação dinâmica da vontade divina com as suas, uma realidade absoluta e incontestável, tal qual a chuva e a luz do sol [...] Não pensavam em Deus como uma entidade a ser inferida, mas como uma realidade a ser experimentada. Para eles, Deus não era [...] uma ideia concebida pela mente, mas uma experiência real que conferia significado à vida". 16
Os filósofos chamam esse relacionamento com Deus de "crença básica adequada", isto é, crenças que não são baseadas em outras crenças; antes, estão fundamentadas em um sistema de crenças pessoais. Por exemplo, a crença na realidade do passado, a existência de um mundo material exterior ao indivíduo e a crença na presença de mentes iguais a nossa. Se refletir sobre essas crenças, perceberá que nenhuma delas pode ser provada cientificamente. Tente imaginar de que forma você poderia provar que o mundo não surgiu apenas 5 minutos atrás, um universo inteiro criado instantaneamente com a aparência de existir a milhares de anos, incluindo até mesmo comida em nosso estômago de uma refeição que nunca consumimos, além de memórias em nosso cérebro de acontecimentos que nunca experimentamos? Ou ainda, como você poderia provar que não é um cérebro preso dentro de um supercomputador que simula todos os seus sentidos e percepções?
Embora sejam chamadas de crenças básicas, não significa que sejam arbitrárias. Pelo contrário, são crenças fundamentais no sentido de que surgem dentro de um contexto de certas experiências. Por exemplo, minhas experiências sensoriais em termos de visão, audição e tato me possibilitam construir, de modo natural, a crença na existência de objetos físicos. Não se trata, portanto, de uma crença arbitrária. Antes, está fundamentada em minhas experiências. Talvez não seja possível provar determinada crença, mas nem por isso deixa de ser perfeitamente racional para o indivíduo que nela crê. Em outras palavras, seria preciso que o mundo enlouquecesse para imaginar que o universo foi criado apenas 5 minutos atrás, ou que somos apenas cérebros presos a circuitos eletrônicos.
Portanto, crenças baseadas em experiências de vida não são apenas básicas, mas adequadas. A fé em Deus se enquadra nessa categoria, pois se trata de uma crença fundamentada em experiências pessoais com o Criador. Esse argumento pode ser resumido da seguinte forma:
1. Toda fé adequada e fundamentada pode ser aceita racionalmente como crença básica, independente de argumentos.
2. A crença de que o Deus da Bíblia existe é adequada e fundamentada.
3. Portanto, a crença de que o Deus da Bíblia existe pode ser aceita racionalmente como crença básica, independente de argumentação.
Caso todo o exposto acima esteja correto, existe o perigo de os argumentos a favor da existência de Deus distraírem a atenção das pessoas com relação ao próprio Deus. Se você busca a Deus com sinceridade, ele se mostrará evidente para você. A Bíblia afirma: "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros" (Tiago 4.8). Não devemos focalizar toda nossa atenção nas provas a ponto de não ouvirmos a voz de Deus falando conosco. Para quem estiver disposto a ouvir, Deus se tornará uma realidade viva e imediata.
Concluindo, estudamos cinco razões para acreditar na existência de Deus.
1. A origem do universo.
2. O ajuste fino do universo a fim de sustentar vida inteligente.
3. A existência de padrões morais absolutos.
4. A vida, morte e ressurreição de Jesus.
5. A possibilidade de conhecer a Deus neste exato momento.
Esses argumentos fazem parte de um conjunto de evidências a favor da existência de Deus. Alvin Plantinga, proeminente filósofo contemporâneo, apresentou mais de vinte argumentos a favor da existência de Deus. 17 Considerados em conjunto, esses argumentos formam um corpo de evidências cumulativas bastante convincente. O teísmo cristão, portanto, é uma cosmovisão plausível e deve ser analisado com cuidado por todo ser humano racional.

 Notas
1 David Hilbert, "On the Infinite", Philosophy of Mathematics, ed. com introdução de Paul Benacerraf e Hillary Putnam, Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1964, pp. 139, 141.
2 ABC Science Online, "The Big Questions: In the Beginning". Entrevista com Paul Davies, por Philip Adams, http://aca.mq.edu.au/pdavies.html.
3 Alex Vilenkin, Many Worlds in One: The Search for Other Universes, New York: Hill e Wang, 2006, p. 176.
4 Anthony Kenny, The Five Ways: St. Thomas Aquinas' Proofs of God's Existence, New York: Schocken Books, 1969, p. 66.
5 Roger Penrose, "Time-Asymmetry and Quantum Gravity", Quantum Gravity 2, ed. C. J. Isham, R. Penrose, e D. W. Sciama, Oxford: Clarendon Press, 1981, p. 249.
6 Paul Davies, The Mind of God, New York: Simon & Schuster, 1992, p. 169.
7 Ver Roger Penrose, The Road to Reality, New York: Alfred A. Knopf, 2005, pp. 762-5.
8 J. L. Mackie, The Miracle of Theism, Oxford: Clarendon Press, 1982, pp. 115-16.
9 Idem, pp. 117-18.
10 Michael Ruse, "Evolutionary Theory and Christian Ethics", The Darwinian Paradigm, London: Routledge, 1989, pp. 262-269.
11 Michael Ruse, Darwinism Defended, London: Addison-Wesley, 1982, p. 275.
12 Jacob Kremer, Die Osterevangelien--Geschichten um Geschichte, Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1977, pp. 49-50.
13 Gerd Lüdemann, What Really Happened to Jesus?, trad. por John Bowden, Louisville, Kent.: Westminster John Knox Press, 1995, p. 8.
14 Luke Timothy Johnson, The Real Jesus, San Francisco: Harper San Francisco, 1996, p. 136.
15 N. T. Wright, "The New Unimproved Jesus", Christianity Today, 13 de setembro de 1993, p. 26.
16 John Hick, "Introduction", The Existence of God, ed. com introdução de John Hick, Problems of Philosophy Series, New York: Macmillan Publishing Co., 1964, pp. 13-14.
17 Alvin Plantinga, "Two Dozen (or so) Theistic Arguments". Preleção apresentada na 33ª Conferência Anual de Filosofia, Wheaton College, Wheaton, Illinois, 23-25 de outubro de 1986. Disponível online em http://philofreligion.homestead.com/files/Theisticarguments.html."


Read more: http://www.reasonablefaith.org/portuguese/deus-existe#ixzz3lyYvpuvy

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Livro "O Grande Projeto" refutado por W.L. Craig

Refutação de William Lane Craig:

Originalmente publicado como: “The Grand Design – Truth or Fiction?”, Enrichment (inverno de 2011), pp. 118-122. Texto reproduzido na íntegra em http://www.reasonablefaith.org/the-grand-design-truth-or-fiction.
Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Djair Dias Filho.
O grande projeto e a filosofia

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Stephen Hawking e Leonard Mlodinow abrem seu livro The Grand Design [O grande projeto] com uma série de perguntas profundas: qual a natureza da realidade? De onde vem tudo isso? O universo precisa de um Criador? Então, dizem: “Tradicionalmente, essas são perguntas pertinentes à filosofia, mas a filosofia está morta. A filosofia não conseguiu acompanhar os desenvolvimentos modernos da ciência, especialmente da física. Os cientistas tornaram-se os portadores da tocha da descoberta na nossa busca pelo conhecimento”.1
Diante do desaforo e do desprezo de uma declaração dessas, o filósofo profissional tem somente que revirar os olhos. Dois cientistas, pelo que tudo indica, com pouca afinidade com a filosofia, estão prontos para declarar como morta uma disciplina inteira e insultar seus próprios colegas de docência em filosofia no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e na Universidade de Cambridge — muitos dos quais, como Michael Redhead e D. H. Mellor, destacados filósofos da ciência — por supostamente não conseguirem manter o passo.

O filósofo profissional considerará o veredicto deles não apenas como espantoso desprezo, mas também como ultrajantemente ingênuo. O homem que alega não ter necessidade de filosofia é o mais apto a ser enganado por ela. Seria de esperar que a exposição que Mlodinow e Hawking fazem subsequentemente de suas teorias preferidas estivesse calcada em uma multidão de pressuposições filosóficas não investigadas, expectativa que, de fato, confirma-se. Eles defendem suas reivindicações acerca das leis da natureza, da possibilidade de milagres, do determinismo científico e da ilusão do livre-arbítrio apenas com a justificativa mais rala. É evidente que Mlodinow e Hawking estão profundamente comprometidos com as questões filosóficas.
O que não se esperaria é que, depois de declararem a morte da filosofia, Mlodinow e Hawking mergulhassem imediatamente na discussão filosófica sobre o realismo científico versus o antirrealismo. A primeira terça parte de seu livro não trata de modo nenhum de teorias científicas correntes; antes, é investigação sobre a história e a filosofia da ciência. Achei essa seção a parte mais interessante e impressionante de todo o livro. Deixem-me explicar.

Tendo separado a tarde da segunda-feira para ler Mlodinow e Hawking, passei a manhã deslindando um artigo acadêmico de Contemporary Debates in Metaphysics [Debates contemporâneos em metafísica], publicado por Blackwell, que trata de um ponto de vista filosófico conhecido como pluralismo ontológico. O pluralismo ontológico é uma visão de uma subdisciplina da filosofia cujo nome parece uma gaguice: metametafísica, ou, como às vezes é denominada, metaontologia. É filosofia no mais alto grau de abstração. A ontologia é o estudo do ser, ou do que existe — a natureza da realidade. A metaontologia está um ponto acima: ela investiga se as disputas ontológicas têm ou não sentido e qual a melhor maneira de resolvê-las.
O pluralismo ontológico defende que não há realmente respostas certas para muitas indagações ontológicas, como, por exemplo: objetos compostos existem? De acordo com o pluralismo ontológico, há várias maneiras diferentes de descrever a realidade, e nenhuma é mais correta nem mais exata do que a outra. Literalmente, não há realmente nenhuma importância em responder a essas questões. Portanto, caso se perguntasse: “A lua existe?”, o pluralista ontológico diria que a pergunta não tem nenhuma resposta objetiva. Não é verdade que a lua existe nem que a lua não existe. Simplesmente não há nenhuma verdade absoluta quanto se a lua existe ou não. O pluralismo ontológico é, portanto, uma visão radical defendida por um punhado de filósofos.
Imaginem, portanto, meu espanto ao encontrar Hawking e Mlodinow esposando o pluralismo ontológico (sem estarem cientes do nome) como a sua filosofia da ciência. Eles apelidam a perspectiva que adotaram de “realismo dependente de modelos” e explicam que modelos são apenas maneiras diferentes de interpretar nossas percepções sensoriais. Na visão deles, não existe realidade objetiva à qual nossos modelos de mundo correspondam mais ou menos com precisão (p. 7).
Mlodinow e Hawking, portanto, são antirrealistas ao extremo. Por exemplo, ao contrastarem o criacionismo da Terra jovem com a teoria do big bang, eles alegam que, apesar de a teoria do big bang ser “mais útil”, “não se pode dizer que um dos dois modelos é mais real do que o outro” (p. 51).

Não dá para deixar de imaginar que tipo de argumento justificaria a adoção de uma visão tão radical. Tudo o que Mlodinow e Hawking têm a oferecer é o fato de que, se fôssemos, digamos, habitantes de uma realidade virtual controlada por seres alienígenas, então não haveria como dizer se vivíamos em mundo simulado e, por isso, não teríamos razão para duvidar da sua realidade (p. 42). O problema com esse tipo de argumento é que ele não exclui a possibilidade de termos nesse caso dois modelos concorrentes de mundo — um dos alienígenas e o outro o nosso, e um dos modelos é verdadeiro e o outro é falso, mesmo que não consigamos dizer qual deles.

Além disso, o fato de nossas observações serem dependentes de modelo não significa que não tenhamos o conhecimento do modo de ser do mundo (tampouco significa que não existe modo de ser do mundo). Por exemplo, ao entrar em laboratório científico, o leigo poderia ver na bancada do laboratório a peça de uma máquina, mas não a veria como um interferômetro, já que lhe falta o conhecimento teórico para identificá-la. Um homem das cavernas, ao entrar no laboratório, não veria nem mesmo a peça de uma máquina sobre a bancada, já que lhe falta o conceito de máquina. Mas isso não ajuda em nada a solapar a realidade objetiva da percepção do técnico do laboratório de que há um interferômetro em cima da bancada.
Mlodinow e Hawking, não satisfeitos com o pluralismo ontológico, descem ao fundo do abismo quando afirmam que “não existe teste de realidade dependente de modelos. Consequentemente, um modelo bem construído cria uma realidade particular” (p. 172). Essa é uma afirmação da relatividade ontológica, a visão de que a própria realidade é diferente para pessoas que adotam modelos diferentes.
Se você for Fred Hoyle, o universo existe eternamente em estado permanente, mas, se for Stephen Hawking, o universo começou realmente com o big bang. Se você for Galeno, médico da antiguidade, o sangue não circula de jeito algum pelo corpo humano, mas, se for William Harvey, que descobriu a circulação, o sangue circula de fato. Essa visão parece maluca e torna-se ainda mais doida pela alegação de Mlodinow e Hawking de que o próprio modelo é responsável pela criação da sua respectiva realidade. É quase desnecessário dizer que essa conclusão não decorre da inexistência de um teste independente de modelos de como é o mundo.
Mas tudo isso é acessório diante do ponto mais importante. A questão principal é que, apesar da alegação de falarem como portadores científicos da tocha do conhecimento, aquilo em que Hawking e Mlodinow estão engajados para valer é filosofia. As conclusões mais importantes a que chegaram em seu livro são filosóficas, não científicas. Por que, então, declaram a filosofia morta e afirmam que, como cientistas, são os portadores da tocha da descoberta? Simplesmente porque isso lhes permite encobrir o amadorismo filosófico deles com a capa da autoridade científica e, assim, evitar a trabalheira de debater realmente seus pontos de vista filosóficos, em vez de apenas afirmá-los.


Por que o universo existe?
Em seu livro, Hawking e Mlodinow tentam responder a três perguntas que fazem a si mesmos no capítulo 1:
1. Por que existe algo em vez de nada?
2. Por que nós existimos?
3. Por que esse conjunto particular de leis e não outro?

Curiosamente, suas respostas a essas perguntas mostram-se muito breves. De fato, (2) embute-se em (1) e, por isso, não recebe sequer uma resposta à parte.
A resposta de Hawking e Mlodinow às perguntas (1) e (2) é apelo ao modelo “sem limites” da origem do universo, difundido por Hawking em seu livro A Brief History of Time [Uma breve história do tempo]. Nossos autores simplesmente expõem o modelo sem apresentar nenhuma comprovação dele, nem mencionam nenhum dos modelos que lhe são alternativos. Tampouco respondem à crítica de que o dito “tempo imaginário” esboçado no modelo é fisicamente ininteligível e não passa, portanto, de um “truque” matemático útil para evitar a singularidade cosmológica que aparece nas teorias clássicas do princípio do universo.
Ainda assim, a exposição deles não deixa de ser interessante com relação ao começo do universo. Por exemplo, eles escrevem que “o entendimento de que o tempo pode se comportar como outra direção do espaço significa que é possível se livrar do problema de o tempo ter um começo, semelhante ao modo como nos livramos do limite do mundo. Vamos supor que o começo do universo fosse como o Polo Sul da Terra, com os graus de latitude cumprindo o papel do tempo. À medida que se desloca para o norte, os círculos de latitude constante, representando o tamanho do universo, se expandiriam. O universo começaria como um ponto no Polo Sul, mas o Polo Sul é como qualquer outro ponto. Indagar sobre o aconteceu antes do começo do universo seria uma pergunta sem sentido, pois não há nada ao sul do Polo Sul. Segundo essa imagem, o espaço-tempo não tem nenhum limite — as mesmas leis da natureza vigoram tanto no Polo Sul como em outros lugares” (p. 134-135).

Se levarmos a analogia a sério, esse trecho é fascinante porque postula um ponto inicial tanto para o tempo como para o universo. A despeito do fato de o tempo imaginário se comportar como outra dimensão espacial, Hawking permite que os círculos de latitude exerçam o papel do tempo, com um ponto inicial no Polo Sul. Quando Hawking fala do “problema de o tempo ter um começo”, o que ele quer dizer é “a antiga objeção ao universo ter começo” (p. 135), objeção que seu modelo remove. A antiga objeção é a pergunta: “O que aconteceu antes do começo do universo?”. Hawking está certo quando afirma que essa pergunta não tem sentido no modelo dele. Mas deixa de mencionar que essa pergunta também não tem sentido no modelo padrão do big bang, uma vez que não existe nada antes da singularidade cosmológica. Nenhum desses modelos de universo tem começo temporal absoluto.

Portanto, a pergunta é: por que o universo começou a existir? Por que existe algo em vez de nada? Para essa pergunta, Hawking e Mlodinow defendem o que chamam de abordagem “de cima para baixo”. A ideia aqui é começar com o nosso universo observado presentemente, caracterizado pelo modelo padrão da física das partículas, e, depois, em razão de não existir um limite, calcular a probabilidade das várias histórias permitidas pela física quântica para alcançar nosso estado atual. A história mais provável representa a do nosso universo observável. Hawking e Mlodinow defendem que, “nessa visão, o universo apareceu espontaneamente do nada” (p. 136). Com “espontaneamente”, parece que querem dizer, sem uma causa.

Mas como isso pode resultar do modelo? A abordagem de cima para baixo calcula a probabilidade do nosso universo observável dada a condição da ausência de limite. A abordagem de cima para baixo não calcula a probabilidade de existir a condição da ausência de limite, mas a pressupõe como verdade. Essa condição não é metafisicamente nem fisicamente necessária. Se o universo veio à existência incausado por nada, ele poderia ter qualquer tipo imaginável de configuração espaço-temporal. Porque o nada, ou a inexistência, não tem propriedades ou limites nem é governado por nenhuma lei da física. A física começa somente no “Polo Sul” no modelo da inexistência de limite. Não há nada no modelo que implique que esse ponto veio à existência sem uma causa. De fato, a ideia de que o ser poderia surgir da não-existência sem uma causa parece metafisicamente absurda.

É evidente que Hawking e Mlodinow percebem que ainda não responderam à pergunta “Por que existe algo em vez de nada?”. Eles voltam a essa pergunta no capítulo final e dão uma resposta bastante diferente. Explicam nesse ponto que, no espaço vazio, existe uma constante energia de vácuo e, se a energia positiva do universo associada à matéria for igualmente equilibrada pela energia negativa associada à gravitação, então o universo pode vir à existência espontaneamente como uma flutuação da energia no vácuo (a qual, por um esperto passe de mágica, dizem eles: “podemos chamar de [...] zero”).
Essa parece ser uma descrição bem diferente da origem do universo, pois pressupõe a realidade do espaço e a energia contida nele. Portanto, é enigmático quando Mlodinow e Hawking concluem: “Em razão de existir uma lei como a da gravidade, o universo é capaz de criar a si mesmo do nada, e assim o fará, na maneira descrita no Capítulo 6” (p. 180). Aqui se diz que a inexistência da qual fala o Capítulo 6 não é, no fim das contas, inexistência coisa nenhuma, mas um espaço carregado com a energia do vácuo. Isso reforça a convicção de que a abordagem da ausência de limite só descreve a evolução do nosso universo desde a origem no seu “Polo Sul” até seu estado atual, mas não diz nada sobre a razão por que o universo veio a existir originalmente.

Isso significa que Hawking e Mlodinow nem mesmo começaram a tratar da questão filosófica: “Por que existe algo em vez de nada?”. Pois, no vocabulário deles, “nada” não possui o significado tradicional de “inexistência”, mas sim de “vácuo quântico”. Eles não estão sequer respondendo à mesma pergunta. Como o estudante de filosofia que, diante da pergunta “O que é Time [Tempo]?”, no exame final, respondeu: “Time [Tempo] é uma revista de notícias semanal”, assim também Hawking e Mlodinow evitaram por equívoco a difícil pergunta.



Por que o universo é propício à existência da vida?

Se não conseguiram responder às perguntas (1) e (2), que tal (3): por que existe um conjunto específico de leis e não algum outro? A questão aqui é explicar a exatidão evidentemente milagrosa das condições do universo favoráveis à existência de vida inteligente. Hawking e Mlodinow expressam essa ideia destacando que, “nos anos recentes, os físicos começaram a se perguntar com o que se pareceria o universo se as leis da natureza fossem diferentes” (p. 159). Infelizmente, essa declaração é bem enganosa. Os cientistas engalfinhados com essa exatidão minuciosa não estão perguntando como teria sido o universo se fosse governado por leis da natureza diferentes. Antes, estão questionando com o que pareceria o universo governado pelas mesmas leis da natureza com valores diferentes das constantes físicas que aparecem nele e com diferentes grandezas para as condições iniciais sobre as quais as leis operam.
Ninguém sabe com o que se pareceria um universo governado por leis diferentes. Porém, visto que estamos falando de universos governados pelas mesmas leis, mas com números diferentes inseridos nas constantes e nas grandezas, podemos calcular que tipo de universo as leis prediriam (exatamente como Hawking e Mlodinow exemplificam nas páginas 159-162). Portanto, a pergunta (3), da forma que se apresenta, está mal formulada; a correta é: por que esse conjunto específico de constantes e grandezas, e não outro conjunto qualquer?
Ora, há três respostas possíveis à pergunta: necessidade física, acaso ou planejamento (design). Hawking e Mlodinow rejeitam a hipótese da necessidade física: “É notório que os números fundamentais, e mesmo a forma, das leis evidentes da natureza não são demandados pela lógica nem por princípio físico” (p. 143). 
Já que não querem nada com um Projetista Cósmico, Mlodinow e Hawking optam pela hipótese do acaso. Uma vez que as probabilidades para a exatidão das condições do nosso universo ser favorável à vida inteligente são incompreensivelmente remotas, Hawking e Mlodinow recorreram à hipótese de muitos mundos para ampliar os recursos probabilísticos de modo a tornar inevitável o aparecimento por acaso de um universo nas condições exatas, precisamente ajustadas, em algum lugar do conjunto de mundos ou multiverso. Se existir nesse conjunto um número infinito de universos ordenados, então, em algum lugar do conjunto, aparecerá um universo precisamente ajustado por puro acaso.
Se for para levar a sério a hipótese de muitos mundos, e não como uma especulação metafísica, é necessário fornecer algum tipo de mecanismo para gerar o conjunto de mundos. O mecanismo ao qual Hawking e Mlodinow apelam é a abordagem da “soma sobre histórias” de Richard Feynman à teoria quântica. É essa a abordagem que Hawking usa no modelo da ausência de limite para calcular a história mais provável do universo, diante da condição da ausência de limite, até nosso estado presente observável. Hawking e Mlodinow consideram como verdadeiras essas histórias alternativas pelas quais o universo deve ter passado; são universos paralelos tão reais quanto o nosso universo.
Infelizmente, isso não é ciência, mas uma dose gratuita de metafísica. O método da soma sobre histórias de Feynman é somente uma ferramenta matemática para calcular a probabilidade da chegada de partículas subatômicas de um ponto a outro. Imaginam-se todos os caminhos possíveis que a partícula poderia ter tomado e, então, com base nisso, calcula-se a sua probabilidade para alcançar o destino observado. Não há fundamento para entender que esse “truque” matemático implique a realidade ontológica de universos espaço-temporais concretos.
Hawking e Mlodinow também apelam à Teoria M ou a teoria das supercordas para gerar um conjunto de universos apresentando diferentes valores para as constantes da natureza. Esse tipo de especulação é problemático de várias maneiras não discutidas por eles. Primeiro, a “paisagem cósmica” de 10500 diferentes universos possíveis consistentes com as leis da natureza que a Teoria M permite são apenas isto: possibilidades. Não são mundos reais, tanto quanto não são reais as histórias de Feynman.
Segundo, não está claro que 10500 possibilidades sejam suficientes para assegurar na paisagem a existência de universo precisamente ajustados. O que aconteceria se a possibilidade do ajuste fino fosse menor do que 1:10500? Isso poderia ser especialmente problemático com relação às condições iniciais arbitrárias.

Finalmente, o próprio universo descrito pela Teoria M seria precisamente ajustado? Se fosse, o problema teria recuado somente um ponto. Parece que seria, pois, como explicam Hawking e Mlodinow, a Teoria M exige exatamente onze dimensões para que seja viável. No entanto, ela não é capaz de justificar por que deve existir exatamente esse número de dimensões.
Além disso, Mlodinow e Hawking sequer mencionam, e muito menos respondem, à crítica incisiva de Roger Penrose à hipótese de muitos mundos para explicar o ajuste fino, no seu livro The Road to Reality [O caminho para a realidade]. Ou seja, ele defende que, se formos somente um membro aleatório de um conjunto de mundos, então, é incompreensivelmente mais provável que estaríamos observando um universo muitíssimo diferente do que o que estamos observando, o que contesta vigorosamente a hipótese de muitos mundos. Não há desculpas para Hawking deixar de responder às críticas que seu antigo cooperador faz à sua visão.


Conclusão
Resumindo, apesar das afirmações jactanciosas de Hawking e Mlodinow e seus constantes rodopios em torno da crença religiosa ao longo de todo esse livro, há nele um genuíno proveito para os crentes religiosos, especialmente para os interessados em teologia natural. Pois o autor afirma e argumenta em prol de fatos favoráveis a um começo absoluto do tempo e do universo e das condições exatas e notavelmente milagrosas do universo, propícias à existência de vida inteligente. Considerando-se o desespero e/ou a irrelevância das respostas que apresentaram às perguntas que motivaram sua investigação, o livro deles se apresenta como apoio bastante forte à existência de um Criador e Projetista transcendente do cosmos.

 Notas
1 Stephen Hawking e Leonard Mlodinow, The Grand Design (Nova Iorque: Bantam Books, 2010), 5 [publicado em português com o título O grande projeto. São Paulo: Nova Fronteira, 2011


 more:http://www.reasonablefaith.org/portuguese/o-grande-projeto#ixzz3ZXpmvYrT





leia também esta outra refutação:
"O universo pode criar-se a partir do nada", declara Stephen Hawking, "e Deus não é mais necessário". No livro “The Grand Design” [O grande projeto. São Paulo: Nova Fronteira, 2011], seu livro recentemente publicado com o coautor Leonard Mlodinow, Hawking postula um modelo de um universo não criado com um começo baseado em uma teoria quântica da gravitação. Em resposta, o Dr. Craig explica que a frase "criação a partir do nada", como é usada por Stephen Hawking, e o ato de criação ex nihilo realizado por Deus são dois conceitos muito diferentes.
"O universo pode criar-se a partir do nada", declara Stephen Hawking, "e Deus não é mais necessário". No livro “The Grand Design” [O grande projeto. São Paulo: Nova Fronteira, 2011], seu livro recentemente publicado com o coautor Leonard Mlodinow, Hawking postula um modelo de um universo não criado com um começo baseado em uma teoria quântica da gravitação. Em resposta, o Dr. Craig explica que a frase "criação a partir do nada", como é usada por Stephen Hawking, e o ato de criação ex nihilo realizado por Deus são dois conceitos muito diferentes.
Olá, Sr. Craig,
Tenho certeza que você viu os trechos do livro de Stephen Hawking, "The Grand Design", que está prestes a ser publicado. No livro ele afirma que, por causa da lei da gravidade, "o universo pode e irá criar a si mesmo do nada". Assim, de acordo com Hawking, não há necessidade de se referir a Deus, já que "a criação espontânea é a razão por que há algo ao invés de nada, por que o universo existe, por que nós existimos".
Eu não sou um físico -- e até entendo que um autor às vezes precisa ir um pouco longe a fim de divulgar e comercializar o seu livro de forma a garantir uma boa venda --, mas isso me parece ser simplesmente um salto irracional, para dizer o mínimo.
É verdade que tudo o que temos aqui são algumas poucas afirmações de um argumento mais amplo que é desenvolvido por toda a extensão de um livro; ainda assim, diante dessas afirmações, diversas perguntas vêm à mente.
É claro que Hawking não acredita que o universo realmente veio do nada, já que a gravidade estava lá para realizar a criação. E, certamente, a gravidade não é nada. Mas o que é a gravidade à parte do universo (i.e. espaço e massa)? As leis da natureza não são propriedades do universo? Elas não são parte dele? Elas não vieram a existir com o universo? De onde veio a gravidade?
Como é que é possível aplicar a ciência fora do universo, i.e. fora do ambiente da investigação científica? Como o cientista pode ir além do Big Bang? Como ele pode inferir qualquer coisa cientificamente sobre o que veio antes do Big Bang? Parece-me que, ao fazer isso, entra-se no domínio da metafísica.
Além disso, ainda há o absurdo da noção autocontraditória, à la Dennet, de que o universo (ou qualquer outra coisa) poderia criar a si próprio a partir do nada.
Parece-me que Hawking simplesmente substitui uma causa transcendente (Deus) por outra (gravidade).
Stephen Hawking é um dos maiores cientistas da história, sem dúvida alguma. Entretanto, estou realmente espantado com essas afirmações.
Você poderia me dizer o que pensa sobre este assunto?
Respeitosamente,
Gunnar
Islândia
Iceland
Stephen Hawking e Deus
Temos recebido um número enorme de perguntas sobre as alegações sensacionalistas promovidas pela imprensa antes do lançamento do novo livro de Hawking e Mlodinow, The Grand Design. Eu escolhi a sua pergunta, Gunnar, não apenas porque ela era representativa de muitas outras, mas também porque eu não pude resistir a postar uma pergunta da Islândia!
No post que fiz no blog, dia 6 de Setembro, antes do lançamento do livro, eu levantei várias questões que precisaríamos ter em mente ao lermos o livro quando ele estivesse disponível. Aquelas questões provaram ser certeiras. Não há nada de novo neste livro em termos de substância científica; nada que Hawking já não tinha afirmado em seu best-seller anterior, “A Brief History of Time” [Uma Breve História do Tempo]. Além disso, Hawking e Mlodinow também não respondem às críticas feitas na literatura especializada às propostas anteriores de Hawking. Se você estudou e compreendeu minha discussão sobre a origem e sobre o ajuste fino do universo no livro Reasonable Faith, 3a ed. [Apologética Contemporânea - A Veracidade da Fé Cristã. Editora Vida Nova, 2012], então você já está equipado para responder às afirmações desse novo livro.
Hawking e Mlodinow procuram responder a três perguntas neste livro:
1. Por que existe algo em vez de nada?
2. Por que existimos?
3. Porque existe este conjunto particular de leis e não algum outro conjunto?
Curiosamente, a resposta deles a cada uma dessas questões acaba sendo muito breve. Na realidade, a pergunta (2) acaba sendo mesclada com a pergunta (1) e, desta forma, nem mesmo recebe uma resposta à parte.
A resposta de Hawking e Mlodinow às perguntas (1) e (2) é um apelo ao modelo "sem limites" da origem do universo, popularizado por Hawking em seu livro Uma Breve História do Tempo. Nossos autores simplesmente expõem o modelo sem apresentar qualquer evidência em favor dele e sem fazer menção a nenhum dos modelos alternativos. Além disso, eles não respondem à crítica de que o chamado "tempo imaginário" que faz parte do modelo é fisicamente ininteligível e, portanto, não passa de um "truque" matemático útil para evitar a singularidade cosmológica que aparece em teorias clássicas no início do universo.
Ainda assim, a exposição deles traz algo de relevante em relação à questão do universo ter tido ou não um começo temporal. Eles escrevem,
O entendimento de que o tempo pode se comportar como outra direção do espaço significa que é possível se livrar do problema do “tempo ter um começo” de uma forma similar àquela pela qual nós nos livramos da “extremidade do mundo”. Suponha que o início do universo foi como o pólo sul da Terra, com graus de latitude desempenhando o papel do tempo. À medida que se caminha para o norte, os círculos de latitude constante, representando o tamanho do universo, se expandiriam. O universo começaria como um ponto no Pólo Sul, mas o Pólo Sul é similar a qualquer outro ponto. Perguntar o que aconteceu antes do início do universo se tornaria uma pergunta sem sentido, porque não há nada ao sul do pólo sul. Neste cenário o espaço-tempo não tem fronteiras - as mesmas leis da natureza que valem em outros lugares valem também no Pólo Sul (pp. 134-5).
Esta passagem é fascinante porque representa uma interpretação bastante diferente daquela que foi apresentada no livro Uma Breve História do Tempo sobre otempo imaginário. Aqui, a analogia do Pólo Sul é interpretada de uma forma que implica na existência de um ponto inicial para o tempo e o universo. Apesar do fato de o tempo imaginário secomportar como outra dimensão espacial, Hawking permite que os círculos de latitude desempenhem o papel do tempo, que tem um ponto inicial no Pólo Sul. Quando Hawking fala sobre "o problema do tempo ter um começo", o que ele quer dizer é "a antiga objeção ao universo ter um começo" (p. 135), uma objeção que o modelo dele remove. Essa antiga objeção se resume à seguinte pergunta: "O que aconteceu antes do início do universo?" Hawking está certo quando diz que esta pergunta não tem sentido em seu modelo; mas o que ele não menciona é que a pergunta é igualmente sem sentido no modelo padrão do Big Bang, uma vez que não há nada antes da singularidade cosmológica inicial. Em ambos os modelos o universo tem um começo temporal absoluto -- exatamente como a segunda premissa do argumento cosmológico kalam afirma.
Stephen Hawking e Deus – Por que existe algo em vez de nada?
Portanto, a pergunta é: por que o universo começou a existir? Por que existe algo em vez de nada? Hawking e Mlodinow defendem o que eles chamam de abordagem “de cima para baixo" (top down approach) para esta pergunta. A ideia aqui é começar com o nosso universo que observamos atualmente, caracterizado pelo modelo padrão da física de partículas e, em seguida, calcular, dada a condição “sem limites”, a probabilidade das várias histórias permitidas pela física quântica chegarem ao nosso estado atual. A história mais provável representa a história do nosso universo observável. Hawking e Mlodinow afirmam que "de acordo com essa visão, o universo surgiu de forma espontânea a partir do nada" (p. 136). Quando eles dizem "de forma espontânea", o que eles parecem querer dizer é que o universo surgiu sem uma causa.
Mas como essa conclusão pode ser obtida a partir do modelo? A abordagem de cima para baixo calcula a probabilidade de nosso universo observável considerando que a condição “sem limites” é verdadeira. A abordagem de cima para baixo não calcula a probabilidade da condição “sem limites” ser verdadeira, mas simplesmente pressupõe sua verdade. Tal condição não é metafísica ou fisicamente necessária. Se o universo surgiu do nada, sem causa, ele poderia ter tido qualquer tipo de configuração espaço-temporal concebível. Pois o “nada”, ou a “não existência” (non-being), não tem propriedades ou restrições e não é governada por nenhuma lei física. A física só começa no "Pólo Sul" no modelo “sem limites”. Não há nada no modelo que implica que esse ponto passou a existir sem uma causa. De fato, a ideia de que o “ser” (being) poderia surgir sem uma causa a partir do “não-ser” (non-being) parece metafisicamente absurda.
Hawking e Mlodinow parecem perceber que eles ainda não responderam à pergunta "Por que existe algo em vez de nada?", pois eles voltam a essa pergunta no fim do livro e dão uma resposta bem diferente. No capítulo de conclusão, eles explicam que existe, no espaço vazio, uma constante energia do vácuo e, se a energia positiva do universo associada à matéria é equilibrada pela energia negativa associada à gravitação, então o universo pode vir espontaneamente à existência como uma flutuação da energia no vácuo (que, usando um esperto passe de mágica, segundo eles "nós podemos chamar também de [...] zero"). Essa parece ser uma descrição muito diferente da origem do universo, pois ela pressupõe a realidade do espaço e a energia contida nele. Assim, a seguinte conclusão de Mlodinow e Hawking é intrigante: "Porque existe uma lei como a gravidade, o universo pode e irá criar a si mesmo do nada na forma descrita no Capítulo 6" (p. 180). Aqui é dito que o “nada” do qual se falou no Capítulo 6 não é, realmente, nada, mas é, de fato, espaço cheio de energia do vácuo. Isso serve para reforçar a convicção de que a abordagem “sem limites” (no boundary approach) apenas descreve a evolução do nosso universo desde a origem em seu "Pólo Sul” até chegar ao seu estado atual, mas não diz absolutamente nada quanto à razão pela qual o universo veio a existir originalmente.
Stephen Hawking e Deus – O que a criação a partir do nada realmente significa
A implicação disso é que Hawking e Mlodinow nem sequer começaram a abordar a questão filosófica: "Por que existe algo em vez de nada?". Isso porque, no vocabulário deles, "nada" não tem o sentido tradicional de "não-existência"; para eles “nada” significa "o vácuo quântico". Ou seja, eles não estão nem mesmo respondendo à mesma pergunta. Hawking e Mlodinow evitaram a pergunta realmente difícil ao reinterpretarem de forma equivocada o significado da palavra “nada”.
Se eles não conseguiram responder às perguntas (1) e (2), o que dizer de (3): Por que existe este conjunto particular de leis, em vez de algum outro conjunto? A questão aqui é explicar o evidentemente milagroso ajuste fino do universo para a vida inteligente. Hawking e Mlodinow expressam essa ideia observando que "nos últimos anos, os físicos começaram a se perguntar como o universo seria se as leis da natureza fossem diferentes" (p. 159).
Infelizmente, essa última afirmação está muito equivocada. Cientistas que lidam com o ajuste fino não estão perguntando como o universo seria se fosse regido por diferentes leis da natureza. Eles estão perguntando como o universo seria se fosse governado pelas mesmas leis da natureza, mas com valores diferentes para as constantes físicas que aparecem nelas e com quantidades diferentes para as condições iniciais sobre as quais as leis operam. Ninguém sabe como um universo governado por leis diferentes seria! Mas porque estamos falando de universos regidos pelas mesmas leis, mas com números diferentes para as constantes e quantidades, podemos calcular que tipo de universo as leis iriam prever (como Hawking e Mlodinow ilustram nas páginas 159-62). Portanto, a pergunta (3), da forma como foi enunciada, está mal formulada. A pergunta realmente importante é: por que esse conjunto particular de constantes e quantidades em vez de algum outro?
Agora, existem três possíveis respostas a essa pergunta: necessidade física, acaso ou design. Hawking e Mlodinow rejeitam a hipótese da necessidade física: "Parece que os números fundamentais, e até mesmo a forma, das leis da natureza que podemos discernir não são exigidos pela lógica nem por algum princípio físico" (p. 143). Já que Mlodinow e Hawking rejeitam completamente a ideia de um Projetista Cósmico, eles optam pela hipótese do acaso. Uma vez que as chances de o nosso universo ser finamente ajustado para a vida inteligente são tão incompreensivelmente remotas, Hawking e Mlodinow apelam à hipótese dos Múltiplos Mundos para ampliar os recursos probabilísticos até que se torne inevitável o aparecimento por acaso de um universo finamente ajustado em algum lugar do conjunto de mundos ou multiverso. Se existir, nesse conjunto, um número infinito de universos ordenados aleatoriamente, então um universo finamente ajustado para a vida aparecerá em algum lugar do conjunto; e esse universo poderá ser explicado apelando-se tão somente ao acaso.
Se a hipótese dos Múltiplos Mundos (ou Muitos Mundos) tem a pretensão de ser considerada ciência séria, em vez de especulação metafísica, algum tipo de mecanismo deve ser fornecido para gerar o multiverso. O mecanismo a que Hawking e Mlodinow apelam é a abordagem "soma-sobre-histórias" de Richard Feynman para a teoria quântica. Esta é a abordagem que Hawking usa no modelo “sem limites” para calcular a história mais provável do universo até o nosso estado atual observado, dada a condição “sem limites”. Hawking e Mlodinow consideram essas histórias alternativas que o universo poderia ter seguido como universos paralelos que realmente existem, sendo tão reais quanto o nosso universo.
Infelizmente, isso não é ciência, mas sim metafísica sem fundamento. O método de Feynman da soma-sobre-histórias é apenas uma ferramenta matemática para o cálculo da probabilidade de uma partícula subatômica chegar a um ponto partindo de outro. A idéia é imaginar todos os caminhos possíveis que a partícula poderia ter seguido e, então, com base nisso, calcular a probabilidade da partícula chegar ao destino observado. Não há nenhuma base para interpretar que este "truque" matemático implica na realidade ontológica de universos concretos e espaço-temporais.
Hawking e Mlodinow também apelam para a Teoria-M -- ou teoria das supercordas --, para gerar o conjunto de universos que apresentam diferentes valores para as constantes da natureza. Tal especulação é problemática por diversas razões que não são discutidas no livro. Primeiro, a "paisagem cósmica" de diferentes universos possíveis consistentes com as leis da natureza que a Teoria-M permite são apenas isto: possibilidades. Eles não são mundos reais, assim como não são reais as histórias de Feynman. Segundo, não está claro que possibilidades sejam suficientes para garantir a existência de universos finamente ajustados. E se a probabilidade de ajuste fino for inferior a 1:? Isso pode ser especialmente problemático com relação às condições iniciais arbitrárias. Finalmente, será que o próprio multiverso descrito pela Teoria-M exibe sintonia fina? Se ele exibe, então o problema não é resolvido; ele apenas é levado para outro nível. Ao que tudo indica, o multiverso exibe, sim, sintonia fina, pois, como Hawking e Mlodinow notam, a Teoria-M requer exatamente onze dimensões para ser viável. Não obstante, a teoria não pode explicar por que deve existir exatamente esse número de dimensões.
Além disso, Mlodinow e Hawking nem sequer mencionam -- muito menos respondem -- à crítica incisiva que Roger Penrose faz à hipótese de Múltiplos Mundos como explicação do ajuste fino em seu livro The Road to Reality [O Caminho Para a Realidade]. De acordo com Penrose, se fôssemos apenas um membro aleatório de um multiverso, então, é incompreensivelmente mais provável que deveríamos estar observando um universo muito diferente do que àquele que observamos, o que contradiz fortemente a hipótese dos Múltiplos Mundos. Não há desculpas para Hawking deixar de responder às críticas que o ex-colaborador dele faz às suas ideias.
Resumindo, apesar das afirmações extravagantes e dos constantes ataques de Hawking e Mlodinow à crença religiosa ao longo do texto, os crentes religiosos, especialmente aqueles interessados em teologia natural, podem obter benefício genuíno da leitura do livro. Com relação ao argumento cosmológico kalam, a teoria preferida dos autores afirma o fato de um princípio absoluto do tempo e do universo, que é a premissa fundamental do argumento. Com relação ao argumento teleológico baseado no ajuste fino, os autores afirmam o fato do evidentemente milagroso ajuste fino do universo para a vida inteligente. Além disso, eles concordam que o ajuste fino não pode ser plausivelmente explicado como resultado de necessidade física ou pelo acaso na ausência de um multiverso. Considerando-se o desespero e/ou a irrelevância dos caminhos que eles escolheram para escapar desses argumentos, o livro deles acaba sendo bastante favorável à existência de um Criador e Projetista transcendente do cosmos.


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